A NATUREZA GENEROSA E PERVERSA DAS CRIATURAS TRANSITÓRIAS DO MUNDO E DA ARTE
Bianca Knaak
No universo particular de Walmor Corrêa, encontramos uma miríade de elegantes e absurdos animais, nos quais o artista pode revelar todo seu prazer criador. Criaturas bizarras, híbridas, metamorfoseadas, alucinações, ilusões bem humoradas, são tentativas de definição e classificação de sua obra. Numa amostragem embrionária, o público gaúcho pôde conferir o mote inicial dessa exposição na coletiva Apropriações/Coleções.1 Agora, em Natureza Perversa, exposição individual2, seu trabalho se mostra generosamente ao público, seduzindo, encantando e desafiando ideias e sorrisos. Não é preciso ser um especialista em arte para reconhecer todo valor desse artista e as múltiplas abordagens que seu trabalho permite.
Num tempo dominado por cânones autoritários da instituída arte contemporânea, no qual, por vezes, a mão do artista está proibida de tocar na própria obra, Walmor se esbalda no domínio técnico do desenho e da pintura. Reconhecemos nesse fazer heteróclito toda a tradição de um sistema das artes que se estrutura a partir da pintura figurativa. Walmor se vale da tradição mais explícita da história da arte para a invenção de seu trabalho: desenho, pintura, tela, representação naturalista, descrição analítica, legitimação acadêmica, perspectiva geométrica e, literalmente, ilusão de óptica. Muita ilusão de óptica. A precisão elegante do seu gesto cativa nosso primeiro olhar. Em seguida, essa mesma competência figurativa se torna um argumento estético vigoroso para a instauração de sua poética. Encontramos um certo elogio da mão, através da técnica dominada com maestria e subordinada ao propósito artístico da criação. Nessa, a beleza impera enquanto meio e fim de um projeto ilusionista.
Aqueles seres, fusões de pinguim e peixe, besouros e veados, gatos e pacas, siris e aranhas e outros tantos, de tão bem feitos e acabados, nos inclinam a admirá-los como belas mentiras que parecem verdades.3 A forma conduzindo a ideia, a ideia construída in-forma. O trabalho de Walmor Corrêa é design. Desenho de uma fauna inquietante que se vale da beleza aparente para questionar o imperativo filosófico da tríade belo-justo-verdadeiro como existência unificada e harmônica.
The generous and perverse nature of transitory creatures in the world and art
Bianca Knaak
Walmor Corrêa’s private universe contains a myriad of elegant and absurd animals that allow the artist to display all his creative enjoyment. Attempts at defining and classifying his work might use words like bizarre, hybrid, metamorphosed creatures, hallucinations and humorous illusions. An embryonic sample in the group show Apropriações/Coleções1 allowed Rio Grande do Sul audiences to discover the initial theme of this exhibition. Now, his solo show Natureza Perveresa2 offers a generous selection of his work, to seduce, captivate, and challenge ideas and smiles. You don’t need to be an art specialist to recognise the value of this artist and the multiple approaches offered by his work.
In a time dominated by the established canons of contemporary art, which sometimes prohibit the hand of the artist from touching the work, Walmor takes pleasure in the technical mastery of drawing and painting. We can recognise in this unusual practice the whole tradition of an art system founded on figurative painting. Walmor’s inventive work uses art history’s most vivid tradition: drawing, painting, canvas, naturalistic depiction, analytical description, academic legitimation, geometric perspective and, quite literally, optical illusion. A lot of optical illusion. The eye is first attracted by his elegantly precise gesture. That same figurative skill then becomes a powerful aesthetic behind his creative practice. There is a sense of respect for the hand, through the technical mastery at the service of the art idea, governed by beauty as the means and end of an illusionistic project.
Those creatures, a fusion of penguin and fish, beetle and deer, cats and pacas, crabs and spiders, and many more, so carefully made and finished, lead us to admire them as beautiful lies that seem like truths3. Form directing the idea, the constructed idea in-forms. Walmor Corrêa’s work is design. The drawing of disturbing fauna whose apparent beauty questions the philosophical imperative of a unified and harmonious existence of beauty, goodness and truth.