Formas de espantar

Clarissa Diniz

Quando Walmor Corrêa intervém nos jardins do Museu Emílio Goeldi, no Pará (2008), distribuindo placas que indicam espécies de animais que por lá estariam circulando (uma fauna livre), o artista constitui um palco para a reencenação de um dos espantos do processo de ocupação do Brasil. Se os jesuítas aqui encontraram uma biodiversidade capaz de pôr em dúvida o criacionismo, a invenção de espécies promovida pela arte faz ecoar, por sua vez, desconfianças diante da ciência. Entre duvidar e desconfiar, o espanto habita o momento exato em que nos deparamos com algo que exige de nós, novamente, a velha tomada de posição: cremos no que vemos?

A intervenção de Walmor Corrêa, contudo, interpela a disputa entre a crença e a evidência – supondo, retoricamente, que fosse possível assim distingui-las, imaginando sua equivalência com a religião e a ciência, respectivamente –, através da problematização dos sistemas de representação. A precisa percepção do artista acerca do protagonismo dos regimes representacionais (e, assim, de constituição de sentido e valor) faz com que sua fauna inventada não anseie integralmente camuflar-se (senão mimetizar-se) aos modos de representação do museu científico: para não ser mentira, a ficção faz-se a partir da elaboração de outras estruturas inteligíveis. É nesse sentido que suas placas não espelham a política das imagens do Museu e, portanto, indicam animais por meio de desenhos, não de fotografias. O que o universo gráfico de Walmor Corrêa – que atravessa toda sua trajetória – salvaguarda não é a capacidade da arte de “se fazer passar” por verdade (aludida por meio da ciência), mas, antes, seu direito de, a partir de outro lugar de enunciação, simetricamente propor modos de pensar o mundo. Outras verdades. Não se trata de igualar, mas de garantir a legitimidade da diferença.

Assim, o desenho de um animal estranho, ainda que verossímil, sobre um fundo fotográfico – modo representacional da fauna livre de Walmor Corrêa –, articula camadas do real e da ficção, de modo a simetrizá-los. Contaminadas – posto que, ali, estão cúmplices de uma mesma política de construção de verdade –, realidade e ficcionalização habitam esta e outras obras do artista. Além de provocar a reencenação do espanto da (des)crença, revelam-se como presentificação de uma cena originária que habita (bio)graficamente sua trajetória.

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FORMS OF WONDER

Clarissa Diniz

Walmor Corrêa’s intervention at the Museu Emílio Goeldi (Belém, 2008 involved the placing of signs indicating animal species that could be seen in the gardens (wild fauna), and was in a sense setting the stage for the re-enactment of one of the elements of wonder in the process of the occupation of Brazil. If the Jesuits discovered a biodiversity here that could cast doubt on creationism, the invention of species suggested by art in turn raises echoes of distrust in science. Situated somewhere between doubt and distrust, wonder occurs at the precise moment when we come across something that requires us to take a position again: do we believe what we see?

Walmor Corrêa’s intervention challenges the conflict between belief and evidence, however – assuming for the sake of argument that they can be distinguished, and considering them respectively equivalent to religion and science – by addressing systems of representation. The artist’s accurate perception of the roles played by systems of representation (and hence the constitution of meaning and value) means that his invented fauna does not (except in mimesis) seek to camouflage itself completely in the means of representation of the science museum: so that it might not lie, fiction is constructed from the elaboration of other intelligible structures. His signs do not therefore reflect the Museum’s image policies and so indicate animals through drawings rather than photographs. The graphic world of Walmor Corrêa – running through his entire career – ensures not the capacity of art to “be taken as” truth (alluded to through science) but instead its right of symmetrically proposing ways of thinking about the world from another standpoint. Other truths. This is not making an equivalent but instead guaranteeing the legitimacy of difference.

Walmor Corrêa’s representational approach to his free fauna involves a drawing of an unfamiliar yet believable animal on a photographic background, articulating layers of reality and fiction as a way of making them symmetrical. Reality and fictionalisation cross-contaminate each other, complicit here in the same policy of construction of truth, to occupy this and others of the artist’s works. In addition to setting up a re-enactment of the wonder of (dis)belief, they are also a presentification of an early scene that (bio)graphically occupies his career.

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