Ficções de Arquivos: A Arte na Biblioteca dos Enganos

Mônica Zielinsky

“Optamos por desenvolver as tramas onde quer que elas nos levem.”
Bruno Latour

Uma biblioteca, ao conter grandes livros sutilmente ilustrados, ergue-se ao alto. Até mesmo ela oferece uma pequena escada para acesso aos volumes que se encontram em prateleiras superiores ou extremidades. A ambiência espraia uma aura de mistério, ao envolver, no interior das vitrines, essas preciosidades que ali aguardam, em permanência, o momento em que serão descobertas e seduzidas pela surpresa, tal como ocorria nos conhecidos Gabinetes de Curiosidades do passado, lembrados em muitas obras de Walmor Corrêa.

Uma dupla evocação perceptiva projeta-se deste trabalho, pois por um lado ele convida, enquanto biblioteca, às interferências subjetivas do corpo e de seus vários movimentos e, por outro, incita a interrogação sobre o conteúdo dos livros. Estabelecem-se, desde logo, inesperados trânsitos entre cinestesia e cognição, visão e informação, imaginação e compreensão, experiência e saber. Trata-se de uma proposta que ultrapassa a simples materialização da arte como objeto – ao contrário, amplia as possibilidades de sua recepção, ao colocar em xeque hábitos visuais e intelectuais contidos pelo que se desvenda a partir do interior dos livros. Ela traz à luz a experiência epistemológica de um artista que compreende a arte como uma via de indagação sobre o próprio conhecimento do mundo, indagação entremeada de incertezas e dilemas em relação à percepção dos fatos da natureza, da ciência e das culturas.

Este trabalho possibilita o florescimento de discussões caras à compreensão da natureza do campo artístico de hoje, permeadas de implicações sociais e antropológicas. Walmor Corrêa traz esses envolvimentos em suas escolhas, ao tornar imprecisas as fronteiras entre arte e ciência, campos de saber, registros da natureza, pesquisas biológicas e perspectivas oriundas das ciências sociais. Nesse giro interdisciplinar , o artista indaga sobre uma situação de saber, pergunta que adquire uma dimensão poética de real importância nesta obra e leva a se inquirir, como fato fundamental, sobre a natureza da própria arte.

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ARCHIVE FICTIONS: ART IN THE LIBRARY OF MISTAKES

Mônica Zielinsky

“We have chosen to follow the imbroglios wherever they take us”.
Bruno Latour

A library rises upwards, containing large, subtly illustrated books. There is even a small set of steps for reaching the volumes on the higher or furthest shelves. A pervading aura of mystery seems to envelope the gems stored inside the vitrines, permanently awaiting their moment of surprise discovery, similar to what happens in those famous cabinets of curiosity of the past, suggested by many of Walmor Corrêa’s works.

This work evokes a dual response, on the one hand as a library, inviting you into the subjective interventions of the body and its different movements, and on the other encouraging questions about the content of the books. Unexpected connections are soon established between kinaesthesia and cognition, vision and information, imagination and understanding, experience and knowledge. It is a proposal that goes beyond the simple materialisation of art as object and instead expands the possibilities of its reception, by questioning the visual and intellectual practices contained inside in the books. It demonstrates the epistemological experience of an artist who sees art as a way of investigating understanding of the world itself, an investigation intertwined with doubts and uncertainties related to the perception of the facts of nature, science and cultures.

This work raises valuable issues for understanding the nature of the field of art today, permeated by social and anthropological implications. Walmor Corrêa brings these into his own choices by blurring the boundaries between art and science, fields of knowledge, records of nature, biological research and aspects from the social sciences. Through this interdisciplinary rotation , the artist is questioning a situation of knowledge, which takes on a really important poetic dimension in this work and leads fundamentally to inquiry about the nature of art itself.

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