Walmor Corrêa na história da imagem arte-científica

Francisco Marshall

Na aurora da humanidade, quando primatas ouviam Richard Strauss, a pesquisa anatômica e sua expressão em arte já era o assunto, e como tal se manteve desde então; desde e até sempre, pode-se dizer. Em nossos tempos, Walmor Corrêa é a expressão máxima desta linhagem da arte, nada menos do que a mais poderosa memória cultural da humanidade, do paleolítico aos séculos futuros, que já imaginamos; esta genealogia, vemos especialmente nas tradições da arte mediterrânica, na Renascença e nas escolas científicas modernas. Esta linhagem relaciona percepção, análise, ciência dos materiais e das formas, anatomia, especulação, imaginação e a capacidade de interpretar e revelar a cultura na forma dos corpos, na imagem de nosso ser, dos seres entre os quais habitamos, de nosso mundo. Conhecimento, arte, cultura, ciência, anatomia, corpo, eis os termos desta equação semântica.

IN ILLO TEMPORE

Na gruta de Chauvet, descoberta em dezembro de 1994 no vale do Rio Ardèche, em Vallon-Pont-d’Arc, sul da França, causa espanto o virtuosismo das representações anatômicas de bisões, cavalos, mamutes e outras 10 espécies paleolíticas. São hoje os testemunhos mais antigos da arte, datados em torno de 32.000 AP (antes do presente), ou há cerca de 1.300 gerações. As imagens de Chauvet revelam, ademais, a primeira assinatura, as marcas de uma palma da mão, a história de um corpo e seu movimento, gravada com corantes em dois pontos diferentes da gruta. Vemos corpos, vemos a visão de corpos, e vemos o virtuosismo de artistas que aprenderam e ensinaram o mistério de produzir imagens.

Em Lascaux (FR) e Altamira (ES), e em outros cenários paleolíticos, há mais mistérios em imagens e anatomias, e o corpo humano representado. Não temos todos os elos desta cadeia, mas é razoável a hipótese de que este conhecimento tenha sido transmitido por muitos séculos, antes mesmo de Chauvet, em diferentes tradições, por artistas xamãs, com o poder da imagem, segredos, ciências e artes, corpos e movimentos com narrativas complexas, linguagens vívidas da mente deste ser, plasmadas nas rochas. Este ser artista da Idade da Pedra calha de se chamar Homo sapiens sapiens, como nós. Com nosso equipamento, produziam os espelhos sensíveis com que se viam e os vemos, nos vemos. In illo tempore… “naquele tempo”, a expressão consagrada pelo historiador das religiões Mircea Eliade (1907-1986) para referir o momento originário, em que se fundavam os mitos. A refundação do mito, como na obra de Walmor Corrêa, é um reencontro com aquela criação originária, atualizada, naquele tempo em que o artista cria a imagem do corpo.

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WALMOR CORRÊA IN THE HISTORY OF ART-SCIENCE IMAGERY

Francisco Marshall

At the dawning of mankind, when primates were listening to Richard Strauss, the investigation and expression of anatomy had already become subject matter for art, and it has been ever since; since forever and forever, one might say. Walmor Corrêa in our own times provides the strongest expression of this art lineage, which is nothing but the most powerful cultural memory of mankind ever depicted, from the Palaeolithic period and into the future; its genealogy can be seen especially in the traditions of Mediterranean art, in the Renaissance and modern schools of science. It is a lineage that relates perception, analysis, the science of materials and form, anatomy, speculation, imagination and the capacity to interpret and reveal culture in the form of the body, in the image of our self, the creatures we live with, and our world. The terms of this particular semantic equation involve knowledge, art, culture, science, anatomy and body.

In illo tempore

The discovery of Chauvet Cave at Vallon-Pont-d’Arc in the Ardèche River valley in the south of France in 1994 revealed an amazing virtuosity of anatomical representations of bison, horses, mammoths and ten other Palaeolithic species. Today this is the oldest evidence of art, dating back around 32,000 years, or about 1,300 generations old. The Chauvet images also reveal the first signature, the handprint, the history of the body in movement, recorded in colour in two different parts of the cave. We see bodies, we see the sight of bodies and we see the virtuosity of the artists who are learning and teaching the mystery of producing images.

Lascaux (France) and Altamira (Spain) and other Palaeolithic sites reveal further mysteries of imagery and anatomy, and the depicted human body. We do not have all the links in the chain, but it seems reasonable to suppose that this knowledge had been transmitted for many centuries, even before Chauvet, in different traditions by shaman artists, with the power of the image, secrets, arts and sciences, bodies and movement in complex narratives, languages experienced in the minds of these beings, formed on the rocks. The name Homo sapiens sapiens well befits this stone-age artist, as it does us. With our equipment they produced the sensory mirrors with which they saw each other, we see them and we see ourselves. In illo tempore… “in that time”, the revered term of the historian of religions Mircea Eliade (1907-1986) to refer to the original moment when myths began. Recreation of the myth, as in the work of Walmor Corrêa, is a return to that original creation, now updated, from the moment when the artist creates the image of the body.

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