Patativa tropeira: O encontro de Walmor Corrêa e Sporophila beltoni

Paulo Miyada 

Conhecimento, dúvida e ignorância

Na dúvida, nós sempre dizemos sim, Gostaríamos de saber mais sobre o mundo? Sim. Gostaríamos de dar nome a cada uma de suas partes? Sim, por que não? E seria conveniente separar e organizar cada modo de pensar em cada aspecto da realidade? É, pode ajudar. Então, vamos organizar o conhecimento sobre todas as coisas, classificando-as. Vamos acumular espécimes, nomes, tabelas, dados e análises em bancos de dados que, no limite, teriam que ser tão grandes quanto o próprio mundo, ou muitas vezes maiores que ele, para conter todo o saber sobre tudo? Sim… Nós sempre dizemos sim, na dúvida.

No Brasil, o mais antigo relato do desentendimento que nasce, cresce e multiplica-se na tentativa de tudo saber e tudo nomear remonta já ao primeiro texto escrito aqui, a primeira missiva feita após a chegada da nau capitânia da armada de Pedro Álvares Cabral. O escrivão Pero Vaz Caminha, em carta endereçada ao monarca Dom Manuel I, começa sua narrativa com a descrição do encontro inaugural dos portugueses com os nativos. Diz que eram pardos, nus e que ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa”. Com tantas diferenças de perspectiva em jogo no choque entre europeus e indígenas, o escrivão atribuiu a incomunicabilidade do encontro ao dado empírico circustancial: o estrondo das ondas do mar. Parece ingenuidade, mas tem seu valor premonitório, já que o mar ainda quebra todos os dias na orla de Porto Seguro, e nós ainda discutimos os rumos do país sem ter em conta a sapiência dos povos originários deste território.

Com os dois parágrafos acima, tão dispares e talvez tão arbitrários, pretende-se introduzir alguma dose de desconfiança, para melhor refletir sobre as atitudes do artista Walmor Corrêa em seu presente projeto. Agora e sempre, é bom cismar um pouco com o sentido positivo que o senso comum dá aos avanços do saber técnico-científico. Que não se pense, com isso, que será o caso de apostar em alguma sorte de obscurantismo, pois é fato que foi nas engrenagens desse saber que o artista procurou atuar, o que seria impossível se não houvesse uma afinidade real com seus procedimentos e métodos. O que se quer, na verdade, é deixar a mente arredia, escabreada, e lembrar que a verdade não é tudo e nem tudo pode caber na verdade. 

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