O ESTRANHO ASSIMILADO
Paula Ramos
É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos demônios, a que os brasis chamam Curupira, que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhes de açoites, machucam-n’os e matam-n’os. São testemunhas disto os nossos Irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os índios deixar de certo caminho, que por ásperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha, quando por cá passam penas de aves, abanadores, flechas e outras coisas semelhantes, como uma espécie de oblação, rogando fervorosamente aos Curupiras que não lhes façam mal.
Assim escreveu José de Anchieta (1534–1597) em sua décima carta acerca do Brasil, datada de 31 de maio de 1560, dando, portanto, “testemunho de verdade” a um dos mais persistentes mitos brasileiros, o Curupira. Até hoje, no Norte do País, muitos populares afirmam sem hesitar que já o viram. Descrevem-no como um pequeno e ágil tapuia, com os pés voltados para trás; às vezes tem a cabeça pelada; outras tantas, cabelos vermelhos. Ele é o senhor da matas e dos bichos, cujos segredos conhece e defende. Luís da Câmara Cascudo (1898–1986), em sua Geografia dos mitos brasileiros, resgata passagem de O selvagem (1876), de Couto de Magalhães (1837–1898), no qual o autor informa:
No Pará, quando se viaja pelos rios e ouve-se alguma pancada longínqua no meio dos bosques, os romeiros dizem que é Curupira que está batendo nas sapipemas, a ver se as árvores estão suficientemente fortes para sofrerem a ação de alguma tempestade que está próxima. A função do Curupira é proteger as florestas. Todo aquele que derriba, ou por qualquer modo estraga inutilmente as árvores, é punido por ele com a pena de errar tempos imensos pelos bosques, sem poder atinar com o caminho de casa, ou meio algum de chegar entre os seus.
THE UNCANNY ASSIMILATED
Paula Ramos
It is well known and everyone says that there are certain demons that the Brazils call Curupira, which often attack the Indians in the jungle, giving them a whipping, injuring them and killing them. Our Brothers have witnessed this, having sometimes seen the people they have killed. For this reason the Indians customarily leave bird feathers, fans, arrows and suchlike on a particular path through rough vegetation to their lands at the top of the highest mountain as a kind of offering, ardently beseeching that the Curupiras do them no harm.
So wrote José de Anchieta (1534–1587) in his tenth letter about Brazil, of May 31, 1560, thus giving “truthful evidence” of one of the most persistent of Brazilian myths, the Curupira. Even today, many people in the north of the country state without hesitation that they have seen it, describing a small, agile mestizo Indian with feet pointing backwards, sometimes with a bald head, and often with red hair. The lord of the jungle and the animals, it knows and protects its secrets. Luís da Câmara Cascudo (1898–1986), in his Geografia dos Mitos Brasileiros, recalls Couto de Magalhães’s (1837–1898) O Selvagem (1876), in which the author states:
When travelling by river in Pará, and hearing some distant thud in the middle of the woods, the pilgrims say that the Curupira is knocking on the sapipema trees to see if they are strong enough to withstand a coming storm. The Curupira’s job is to protect the forests. Anything that knocks down or in any way needlessly harms the trees is punished by the Curupira, becoming lost in the woods for long periods an unable to find the way home or any way of reaching their companions.