WUNDERKAMMERN E ARTE CONTEMPORÂNEA

Icleia Borsa Cattani

Figuras mitológicas em atlas de ciências, vísceras aparentes, organismos detalhados por meio de desenhos e textos descritivos como se se tratassem de seres reais. Sua fatura estabelece jogos de vai e vém com a história da arte. Elas são elaboradas ao modo do Renascimento, criando volumes e reentrâncias através de sfumatos e veladuras. Sobre essas formas que reproduzem seres, órgãos, músculos e ossos, à semelhança da realidade, o artista passa lápis grafite, tênues “teias” e contornos. De certo modo, ele inverte o processo do fazer tradicional, trazendo para o primeiro plano o que a pintura esconde na maioria das vezes, o que constitui sua estrutura subjacente. Ao mesmo tempo, o pictórico recua, evidenciando códigos representativos da história das ciências.

Esqueletos de pássaros com sutis interferências, em posições de dança, em caixinhas de música nas quais ocupam o lugar das bailarinas. Eles criam ambiguidades, nem são objetos de estudos científicos, nem representações de Vanitas ou de Memento Mori, com sua clássica carga dramática. Eles são, antes, figuras poéticas e frágeis, embaladas em suas circunvoluções pelos sons familiares e belos das antigas melodias.

Relógio cuco que marca as horas em ritmo acelerado, a tal ponto que sessenta minutos são reduzidos a trinta. Ele completa a sensação de estranhamento; objeto geralmente ausente dos espaços de arte, apresenta-se não só deslocado como anacrônico. Familiar nos lares de tantos imigrantes, ele é ilustrado pelo casal de pássaros e seus filhotes, o que reforça seu caráter afetivo e antigo. O anacronismo de sua própria presença é confrontado de forma paradoxal à aceleração do tempo.

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Wunderkammern and Contemporary Art

Icleia Borsa Cattani

Mythological figures on scientific charts, their viscera exposed, organisms rendered in detail by way of drawings and descriptive texts, as if they were real-life beings. Their makeup establishes to and fro games with Art History. Produced in the Renaissance manner, volumes and recesses are created using sfumato and glazes. Over these true-to-life forms, reproductions of beings, organs, muscles and bones, the artist lays down tenuous graphite pencil “webs” and contours. In a way, he inverts the traditional art-making process, bringing to the foreground what painting more often than not hides: that which constitutes its subjacent structure. At the same time, painterly qualities move back and codes representative of the History of Science are manifest.

Bird skeletons undergo subtle interventions. In dance postures, in music boxes, they have occupied the ballerina’s position.  Ambiguities arise, as they are neither objects of scientific studies, nor representations of Vanitas or Memento Mori with those genres’ classic dramatic charge. They are, more than anything else, fragile, poetic figures gently rocked in their own circumvolutions to the beautiful, familiar sounds of ancient melodies.

Cuckoo clock keeps time at an accelerated rhythm, to such an extent that sixty minutes are reduced to thirty. It completes the sensation of estrangement; an object generally absent from Art spaces now presents itself, not only dislocated, but anachronous as well. Familiar to many immigrants’ homes, it is illustrated by the bird couple and chicks, reinforcing its affective and antique nature.  The anachronism of its very presence is confronted, paradoxically, with its own acceleration of time.

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