Um naturalista a bordo da nau dos sonhos
Diana Lichtenstein Corso
Houve tempos em que não era necessário sair da terra para fazer viagens fantásticas. No passado, quando tantos lugares ainda eram desconhecidos, bastava subir a bordo de um navio para ver desfilar inimagináveis maravilhas. Mesmo assim, jamais nos conformamos com o que a realidade tinha para nos oferecer. Dragões, hidras, gigantes, sereias, fadas, os monstros mais variados eram descritos e desenhados, como prova de que nossa imaginação não perde sua gula: ela jamais se satisfaz com o que consta no cardápio da natureza.
Para explorar mundos imaginários carece que exista outro tipo de naturalista disposto a subir a bordo de uma embarcação onírica. É claro que essa espécie de Darwin, viajando a bordo de um Beagle dos mares fantásticos, tinha de ser um artista, um sonhador, embora não deva lhe faltar a calma para o detalhe, e até alguma frieza científica. Existe um desses entre nós, ele se chama Walmor Corrêa.
Recentemente, ele recebeu o Prêmio Açorianos nas categorias de Escultura e Destaque Especial do ano. A exposição premiada chamava-se Memento Mori, estava no Instituto Goethe na primavera passada.
A obra compreende várias caixinhas de música, em cujo interior, em posição de bailarina, giram frágeis esqueletos de ave. À primeira vista, parecem animaizinhos comuns, mas aos poucos, vamos percebendo que são restos dissecados de criaturas imaginárias. São pássaros com rabos de rato, bico de corneta, estranhas protuberâncias nos ossos da cabeça e do corpo. Como seriam quando tinham carne e penas? Tendemos a nos perguntar, esquecendo que aquelas aves bailarinas jamais existiram! Ao apresentar-nos a natureza fantástica post mortem dissecada, paradoxalmente, ele lhe legitima a vida.
As caixinhas de música sempre me evocam algo melancólico. A música, tão delicada, se acabará quando a corda terminar, ou se calará quando fecharmos a tampa. Diferente de uma longa e imponente sinfonia, a música da caixinha é sempre curta, finita, intermitente, como a vida que vem e se vai.
Traduzido, o nome da exposição é “Lembra-te que morrerás”, mas irrita-nos sobremaneira a inclemência da morte. Queremos ser sinfonia inacabável: cuidamos da saúde, fazemos plásticas, damos corda, damos corda…Ao contrário disso, a arte nos oferece um outro tipo de transcendência, podemos ir além, não da vida, mas da realidade. Com Walmor zelando pelos mundos fantásticos, vale a pena aproveitar o tempo que nossa corda durar.
A NATURALIST IN A SHIP OF DREAMS
Diana Lichtenstein Corso
There were times when it was not necessary to leave the planet to embark upon a fantastic voyage. In the past, when so many places were still unknown, it was enough to board a ship, and from there one could see unimaginable wonders. Nevertheless, we were never content with what reality presented us; it wasn’t enough. Dragons, hydras, giants, mermaids, fairies and a huge variety of monsters were described, painted and drawn, proving that our imagination is always hungry and it is hardly ever satisfied by what is presented to us by nature itself.
To explore imaginary worlds, it is necessary that there should be another type of naturalist, someone who is willing to embark upon a ship of dreams. Of course, this Darwinesque person, traveling on the Beagle sailing through fantastic oceans has to be an artist, a dreamer, with a sharp eye for detail with a touch of cold scientific approach.
There is one amongst us, and his name is Walmor Correa.
Walmor hás been recently awarded the prestigious Açorianos award for sculpture and most notable artist of the year. His award winning exhibit was named Memento Mori, at The Goethe Institute, in Porto Alegre, R.S., in the spring of 2007. For any who might have missed it, go to www.walmorcorrea.com.br
The work includes several musical boxes, and inside these boxes, standing like ballerinas, swirl delicate bird skeletons. At first glance they seem to be ordinary birds, but slowly our eyes perceive that they are the dissecated bonés of imaginary criations.
They are birds with a mouse’s tail with a trumpet for a beak, strange protusions in the bonés of heads and bodies that never existed. What would they have been like if they had flesh and feathers? We ask ourselves, forgetting that these dancing birds never existed! It is through the presentation of of this fantastic dissecated nature, post mortem, that, in paradoxal act, the artist legitimizes its life.
Musical boxes always remind me of something melancholic. Their music, so delicate, will be over when they unwind or stop when we close the lid. Different from a long and imponent symphony, the musical box song is always short, finite, intermitent, such as life that comes and góes.
Translating the the exhibit’s tile, “Memento Mori” the meaning is: remember you will die. Perhaps above all, death’s cruelty irritates us. We long to be the unending symphony; we look after our health, have cosmetic procedures performed on our bodies, we wind ourselves up and continue to wind…On the opposit side of that, art offers us another type of transcendence, we can go beyond, not beyond life but beyond reality.
With Walmor caring for these fantastic worlds, it is well worth enjoying all of the time that our winding mechanism allows us to have.