Perversa natureza sedutora

Blanca Brites

O olhar solto no tempo examina imagens que se revelam nesta “Natureza Perversa”, na qual o inesperado nos surpreende. Mesmo prevenidos pela nominação que Walmor Corrêa deu à sua mostra, somos imperceptivelmente envolvidos na armadilha, que ele preparou para os visitantes que se aventuram nesse quase Gabinete de Curiosidade. Jogando com uma espécie de trompe l’oeil, ele engana nosso olhar e também nossos sentidos, mas permite, por meios transversos, que a arte possa nos transportar para territórios indecifráveis e inacessíveis.

A arte na vivência do cotidiano, colada às exigências da contemporaneidade, aceita construções de inventários que resgatam a perda da memória, seja através de mitologias individuais, ou de registros de uma natureza ameaçada a esquecer sua origem. Nesta última, encontram-se as obras de Walmor, que aqui muda radicalmente seu caminho, embora continue presente a soma do gesto seguro do desenho e o domínio da pintura, que marcaram seus trabalhos anteriores.

Temos diante de nós painéis com animais aparentemente familiares ou já conhecidos dos compêndios de zoologia. No entanto, algo nos inquieta. Uma dúvida se impõe. Alguma coisa não está em seu lugar habitual e foge ao controle. Pequenos detalhes atraem o olhar, causando sensação de estranhamento. Aos poucos, esses detalhes se tornam mais definidos, evidenciando uma fauna que se mostra em toda sua complexidade híbrida, deixando intuir a mescla das várias espécies. Exemplificando, ali se encontra o peixe hermafrodita com plumas e asas; a tartaruga roedora; a ave com cabeça de macaco; pássaro-gato; aves com presas de caranguejo. E mais inúmeras combinações de insetos, que poderiam ser resultantes da evolução genética que, no momento atual, abre possibilidades de criação de uma outra natureza. É possível detectar uma certa denúncia pela ameaça desses animais ainda... inexistentes. Há também o Besouro em ação – Programado para não voar, com olhos sob as asas, desafiando a ciência que justifica sua impossibilidade de voar e, no entanto, ele voa. Assim como a arte que, ao nos permitir usufruí-la em voos impossíveis, prova a necessidade de sua existência.

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PERVERSE SEDUCTIVE NATURE

Blanca Brites

The timeless gaze examining the images in this “Perverse Nature” surprises us with the unexpected. Although forewarned by Walmor Corrêa’s title for this exhibition, we are imperceptibly caught in the trap he has set for visitors venturing into this cabinet of curiosities. Playing with a kind of trompe l’oeil, he tricks our eye and also our senses, but obliquely allows art to transport us into inaccessible and indecipherable places.

Art in everyday experience, attached to the demands of contemporariness, allows for the construction of inventories that restore memory loss through individual mythologies or records of a nature threatened with forgetting its origins. Walmor’s works are situated in this latter category, having now radically changed yet still retaining the secure line and mastery of painting that were features of his earlier work.

We are looking at a series of paintings of seemingly familiar or recognisable animals taken from zoological compendiums. But there is something worrying about them. Doubts emerge. Something is out of place and seems out of control. Little details attract the eye and cause a sense of strangeness. Slowly those details become more defined, revealing fauna in all its hybrid complexity, as a mixture of different species. So here we can see a hermaphrodite fish with feathers and wings; a rodent turtle; a bird with a monkey’s head; a bird-cat; fowl with crabs’ claws. And countless combinations of insects that may be the result of the genetic evolution that is nowadays opening possibilities for the creation of another nature. It is possible to sense a degree of protest at the threat of these animals still… non-existent. There is also a Beetle in action – Programmed not to fly with eyes on its wings, challenging the science that justifies the impossibility of its flight, and therefore flying. Just like art that allows us to enjoy it in impossible flight, it proves the necessity of its existence.

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